Amor - Lupe de Lupe. O melhor álbum do ano.
O Lupe de Lupe acabou de lançar o maior álbum do ano e eu já posso deixar apostado que nenhum lançamento vai superar "Amor". Sendo um fã incondicional é difícil não falar bem, mas eu juro que essa resenha é sincera e lúcida. Não é de hoje que o Lupe experimenta fórmulas (sem perder a identidade - que é totalmente original e não existe nada parecido), em Amor Vitor, Renan, Jonathan e Gustavo extrapolam as linhas invisíveis das regras de como uma música deve se comportar. Como adorador de projetos como o Godspeed You! Black Emperor e Swans, não me estranha a estrutura escolhida nesse incrível álbum, com quebras de estrutura e com "movimentos" dividindo as músicas e um álbum de apenas 4 músicas (deliciosamente longas)
A primeira faixa: Vermelho (Seus Olhos Brilhando Violentamente Sob os Meus), composição simplesmente brutal e incrível de Jonathan Tadeu (provavelmente a maior composição de sua carreira) começa cavocando a alma do ouvinte em sua verborrágica tragédia emocional: - Eu vou sentir falta do seu vício tragicômico em cafeína, em nosso senso de humor impublicável, os poemas que você fez pra mim, mas não deu tempo de ler, não deu tempo de ler, a maconha o pão e o vinho, compartilhados na mesa santa...
Até que a música desemboca numa espécie de precipício sonoro adrenérgico e re-interrompido pelo abrupto silêncio, ruídos ambientes, para então se re-construir num coro energético de cantar chorando por cima de uma levada de baixo muito pós punk: -A gente fez tudo que foi capaz eu sei, que a gente fez tudo que foi capaz eu sei, que a gente fez que foi capaz eu seeii.
Catártica, impecável, cada nova ouvida se torna melhor.
Vem então a faixa dois, composição da mente ímpar, genial de Vitor Brauer (se você só conhece Lupe de Lupe, vai agora ouvir os sei lá, duzentos álbuns do Vitor, o projeto que esse homem está fazendo de gravar um álbum por estado, em todos os estados do Brasil, é simplesmente único) é uma das faixas mais poderosas do álbum (qual não é?), em especial sem dúvidas é a mais poderosa pra mim em termos de solo, Lupe de Lupe é inalcançável quando se trata de guitarras cruzadas, que hora se completam, hora se destoam de forma "harmônica" se é que isso é possível, é fascinante demais. As letras de Vitor sempre são golpes de machado, seu timbre e melodias peculiares são suas digitais. Essa música me dá impressão de ter referências melódicas tão vastas que nem faz sentido eu menciona-las. O crescente da letra poético-melancólica vai sempre sendo mergulhado num ótimo refrão até que começa a ser consumida pelo caos sonoro que leva aos solos (é difícil aqui definir "solo"), e tal como a primeira faixa, existe um movimento aqui (não sei que termo usar), como se ela pudesse ser ouvida em duas partes se assim fosse desejado, e ali pelo minuto 6:30 temos essa poesia meio spoken word crescente, que converge no lirísmo impecável: -Abri seu ventre, sua boca, suas pernas e seus seios, abri seus olhos, seu pescoço, suas mãos e seus cabelos...
...A carne faz o homem suspirar, a carne faz o homem soluçar, a carne faz o homem explodir, a carne faz o homem tremer as pernas... a carne faz do homem um menino, a carne faz o homem se humilhar... e aí por diante até explodir literalmente num uivo (quebrando todas as barreiras do cringe imposto pelo patético jovem moderno de gerações-vitrine) e vomitar um solo devastador que cai em outro solo devastador simplesmente incrível (não tem pra bater, literalmente). Não preciso nem continuar depois disso...
Até pouco tempo atrás pensava na terceira faixa de Amor, a "Uma Bruta Realidade (O Nosso Jatobá) como candidata para a música "mais fraca do álbum" em um álbum sem músicas fracas, ou seja, achava ela ótima, mas menos ótima que as outras. Porém isso foi mudando após cada audição, e agora aqui pela décima audição talvez, eu acho essa música linda, lindíssima. A letra dela é a melhor, definitivamente. Gustavo Scholz ainda que distante da banda (morando em outro continente) encarou a missão de construir essa faixa linda (sempre arquitetada em parceria com Brauer - e parece que nesse caso Filipe Monteiro, que não conheço) a poesia triste de um amor em decomposição talvez, pode ser pinçada em fragmentos -A vida é mesmo engraçada, despedaçada, fácil de atar, as plantas parecem outras, o que se deu do nosso Jatobá...
O segundo movimento aqui traz uma melodia lindíssima que tem uma energia midwest-emo misturada com Brian Wilson (se é que me entendem) e a letra segue esfaqueando: -todo dia foi tão lindo, agora mesmo quente eu sinto frio, sei que o próximo suspiro vai ser nosso último capítulo, o amor antigo é maior que o mundo...
E vem então o wall of sound marcado pelo baixo maravilhoso de Renan, ondas altas de guitarra distorcida noise estilo Sonic Youth, crescendo e crescendo poderosamente com a bateria para desmontar-se em ruídos e uma linha quase math-rock que dá um novo fôlego para a parte final da faixa que tenta de uma forma melancólica e positiva dar uma acabativa emocional pacifista.
O álbum termina então com o single do álbum que já era totalmente fora da curva, na composição sempre pegajosa e viciante do hit-maker Renan Benini, baixista e compositor de pelo menos 50% das melhores faixas do Lupe de Lupe. Redenção (Três Gatos e um Cachorro) tem uma pegada bastante pós punk na melodia da guitarra, uma bateria dançante maravilhosa que foi pensada para embalar uma geração de jovens tristes entorpecidos e arrepiados em catarse coletiva de shows ao vivo. Renan destrincha a dor de um relacionamento destruído de forma que beira propositalmente o brega de respeito: - E agora o tempo passa, voa Navegando páginas que destaquei Do nosso calendário que embora emoldurado Foi onde me guiei...
...E nessa Romaria de contas, preces, sonhos Aonde eu quis nascer e quis definhar Eu só achei que a vida ia nos deixar Lado a lado, sob ferro e fogo Eu, você, três gatos e um cachorro
Essa é a faixa que menos demonstra a estrutura inesperadamente inovadora que Lupe propõe, é a mais pop e mais cantável de todas e é impossível qualifica-la como melhor ou pior. Fecha-se aqui o arco com a sensação de que Lupe foi completamente vitorioso nesse projeto, colocando uma faixa de cada membro da banda, dando um banho de potência melódica e criatividade musical para tantas e tantas bandas que estão aí mastigando uma papinha de shoegaze de forma cansativa e desbotada (e isso supondo que podemos dizer que tal cena existe, por que nem sei se podemos afirmar isso). Desde que conheci essa banda eu sabia que eles eram o que eu poderia chamar de "salvação do 'rock'", sem esforço, com naturalidade, coisa que muito poucos conseguem hoje, eu posso até dizer quem são: Jonnata Doll & Os Garotos Solventes; Tatá Aeroplano; Jair Naves, Terraplana e Fábio de Carvalho. Saber que existem músicos assim no Brasil é muito, muito revigorante, me faz sorrir e me arrepiar em cada play.
Nota: 9.9
Obrigado pela leitura!
Thômas Blum
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